Hoje, 21 de janeiro, minha mãe faria 78 anos. Decidi então fazer uma playlist, ao velho estilo das fitas cassete que ela tanto acompanhou meu pai fazendo para ouvirmos no carro em nossas viagens quase toda semana entre Salto e Sorocaba.
A regra em tese era simples. Primeiro, do “Lado A”, resolvi escolher só canções que ela gostava muito, que ouvia e cantava junto. E aí veio o problema: 30 anos depois, eu tive que fazer algum esforço para me lembrar exatamente do que ela mais gostava, e acabei caindo em muitos clichês da MPB, especialmente ali na primeira metade da década de 1980. Mas acho que ela ia gostar.
Abri a lista com “Fera Ferida”, na versão definitiva da Bethânia, que era o tema de abertura de “Fera Ferida”, a novela que estava no ar quando minha mãe se foi, em 25 de junho de 1994. Era uma fase em que eu já não tinha paciência de acompanhar novela e em geral ficava no quarto tentando ver alguma coisa na TV velha que ficava sintonizada na Band atrás de algum jogo de algum esporte; ela e meu pai não só assistiam como gravavam nos dias em que não poderiam ver.
Mas escolhi essa também porque o disco “As Canções que Você Fez pra Mim” foi provavelmente o último vinil que compramos em casa antes da morte dela. Como também já contei, era uma fase difícil, meu pai tinha ficado desempregado aos 46 anos e foram tempos bem complexos.
Acabei montando um “Lado A”, assim, só com alguns clássicos da MPB que ela apreciava. E aí, no “Lado B”, optei só por bandas do rock nacional, que ela também apreciava, ainda que com algumas ressalvas. Como boa adolescente dos anos 60, dona Inês tinha lá sua quedinha pelo rock e uma paixonite pelos Beatles e por Elvis. Ao contrário do meu pai, que reagia a qualquer coisa que eu colocasse para ouvir com um “Que horas acaba a estática e começa a música?” Minha mãe gostava de algumas coisas do Cazuza e do Legião, entre elas, claro, como boa carola, “Monte Castelo” e suas citações bíblicas. Também gostava do Paralamas, mas achava o Titãs e o Barão barulhentos demais.
É verdade que eu tinha algum cuidado para ouvir minhas coisas perto dela. Evitava, por exemplo, a escatologia de “Só As Mães São Felizes” e os palavrões de “Faroeste Caboclo” com medo, sei lá, de que ela me proibisse de ouvir as fitas (como se ela não falasse palavrões a rodo, mas enfim). E aí acabei escolhendo uma regra diferente para esse lado: teriam que ser músicas feitas depois de 1994, que ela provavelmente gostaria de ouvir. Verdade que, se alguns artistas já estavam na ativa quando ela se foi, outros ainda mal sabiam tocar.
Isso deixou de fora Cazuza, por exemplo, que partiu antes. E Legião, que até lançou um disco depois, mas é “A Tempestade” e nada ali teria lugar numa playlist que, no fim, chafurda na saudade que gera tristeza, mas é uma lista sobre amor e alegrias, recordações e desejos, coisas que gosto a partir, principalmente, das vivências que tivemos juntos..
Por fim, tem ali um Padre Zezinho que fica também no limiar entre a ironia e a boa recordação que guardo na esperança de que ela certamente estaria vendo com muitas ressalvas o que a Igreja que tanto frequentou se tornou.
Espero que você goste, mãe. Onde você estiver, um beijo e feliz aniversário!
Senti vontade de assar um bolo, coar um café e ouvir essa playlist com Dona Inês. Feliz lembrança Fernando, que ela permaneça viva por muito e muito tempo em você. ❤️
que bonita homenagem, Fernando! Vou ouvir a playlist já já.
um beijo.