Mais amor e menos rancor, pelo menos na hora do lazer
A internet e seu tesão em nos atrair na base da raiva
(Tempo de leitura: 7 minutos)
Ouvir Simon & Garfunkel, pra mim, é como trazer meus pais de volta por alguns minutos. A gente tinha em vinil essa coletânea aí de cima, e tenho lembranças desde a infância desse disco sendo colocado para ouvir em casa. As minhas preferidas sempre foram os megahits “Sounds of Silence” e “Bridge Over Troubled Water”, que tinham em comum um traço marcante: além das incontáveis gravações e versões que já existiam e viriam depois, ambas tinham versões com letras religiosas que circulavam em igrejas católicas na virada dos anos 70 para os 80.
(Dá pra achar com relativa facilidade no YouTube um “Pai Nosso” no ritmo de “Sounds of Silence”; já a ponte que virava barco para singrar sobre as águas turvas eu não consegui encontrar, mas ainda guardo nas minhas memórias de Jovem de Igreja™.)
Mas, entre inclusões em listas para caminhar na esteira da academia e audições completas de ponta a ponta dos discos, meu vídeo favorito com os dois está aí embaixo. Foi em 2009, mais exatamente em 29 de outubro, quando o Rock and Roll Hall of Fame fez 25 anos e eles foram convidados a se apresentar.
Eu gosto muito de toda a sequência executada, mas o arrepio definitivo vem no agudo final de “Bridge Over Troubled Water”, quando o Art solta um “I’ll ease your miiiiiiiiind”, com direito a uma respirada no meio e um ar de “eu vou conseguir esse agudo nem que seja a última coisa que eu cante na vida” que toda vez me leva às lágrimas.
E foi meio que isso mesmo. Porque, segundo o setlist.fm, eles vinham de uma sequência de uns 15 shows, entre junho e julho daquele ano, realizados na região do Pacífico, entre Nova Zelândia, Austrália e Japão. E a turnê seria retomada em 2010, mas eles fizeram só um show completo, em New Orleans, em 24 de abril, e em 10 de junho, subiram ao palco do Kodak Theatre, em Los Angeles, numa homenagem ao cineasta Mike Nichols, diretor de “A Primeira Noite de um Homem”, para cantar, claro, “Mrs. Robinson”, que está na trilha do filme. E foi isso. Acabou, boa sorte, como diria a outra.
Não sei exatamente por que Simon e Garfunkel se separaram, mas posso imaginar que envolve o de sempre nas separações de showbiz: briga de egos, cansaço pela rotina excessiva de shows e turnês, vontades divergentes na hora de experimentar ou não novas opções artísticas. Lembrava apenas de ter lido este perfil do Art na Rolling Stone brasileira, traduzido da gringa, em que ele fala rapidamente sobre como Paul Simon é “um amigo íntimo” e também comenta sobre as agruras com o risco de perder a voz, fantasma que já vinha o ameaçando nos anos anteriores. No fim, Art voltou aos palcos sozinho depois, lançou um novo disco, chegou a começar uma turnê que foi interrompida pela pandemia, Paul descobriu recentemente que estava ficando surdo e a mim, por ora, saber isso basta.
Mas, pelo visto, não para o YouTube. Nesta semana, ao abrir o vídeo acima pela enésima vez, fui brindado com vários vídeos relacionados, em português e inglês, me sugerindo não outras canções da dupla, ou músicas de artista similares, mas vídeos de youtubers com títulos bombásticos ao estilo “Por que Simon e Garfunkel se separaram”, “A Verdadeira história de separação”, “A grande treta” e daí pra baixo.
Não, eu não quero saber. Talvez um dia eu esteja mais interessado, leia alguma biografia bem escrita e apurada, ou possa até dar meu view para algum canal menos sensacionalista, se é que ele vai aparecer na minha timeline de vídeos.
Curiosamente, tentei abrir o mesmo vídeo em outro navegador com a conta da escola em que acabei de começar a lecionar, um algoritmo ainda pouco treinado, e só apareceram links de apresentações de artistas similares ou pelo contemporâneos, de Sting a Pink Floyd. Talvez eu tenha treinado mal demais meu algoritmo.
Não é novidade pra ninguém que estamos numa era de bombardeio absoluto de informação - nem sempre útil ou verdadeira, muitas vezes nenhum dos dois. E eu me sinto cansado, e muitas vezes tolhido a escrever aqui, justamente para evitar contribuir ainda mais com esse furacão informacional. Já não tem gente demais escrevendo? Eu mesmo já não contribuo demais pra essa “highway da superinformação” (beijo, Humberto) com os textos que produzo a trabalho, e que não são poucos?
E aí me lembro que Caetano Veloso cantava, lá em 1967:
O sol nas bancas de revista
Me enche de alegria e preguiça
Quem lê tanta notícia
E é triste que, para se destacar em meio a “tanta notícia”, seja preciso apelar para a destruição de memórias infantis com manchetes estapafúrdias. Simon & Garfunkel pra mim representam amor, alegria, paz, memórias de um tempo que foi bom, mas passou, lembranças de pessoas que não estão mais aqui. É com isso que eu quero ficar, é isso que eu pretendo sentir ao ouvir “The Boxer” ou “Homewars Bound”.
Os lados obscuros deles, hoje, não me interessam. A gente já vive sob muita obscuridade por obrigação, não quero isso para as minhas poucas horas vagas. Um pouco de escapismo não faz mal a ninguém.
Concordo demais. Tem artista que quero guardar na redoma do meu afeto infantil. Não quero saber detalhes sórdidos e pessoais. Quero só amar aquela obra e escapar nostalgicamente.
Um beijo.